Desde sua efetiva implantação, em julho de 2007, o simples nacional suscitou inúmeras controvérsias, especialmente advindas dos fiscos municipais, os quais proclamam a ocorrência de uma invasão da competência tributária e fragilização da arrecadação municipal em relação ao ISSQN.
Ressalvadas as críticas expressadas pelos Municípios, no sentido de que a União estaria concedendo benesses com o chapéu alheio e terceirizando parcela de sua competência fiscalizatória (capacidade tributária ativa) para os outros Entes políticos (Estados e Municípios), sem sombra de dúvidas o aludido regime tributário foi, e continua sendo, metaforicamente articulando, a pequena maior reforma tributária efetivada no País nas últimas décadas.
Decorrida uma década de sua implantação, verifica-se o vertiginoso crescimento do número de contribuintes que contraíram o direito a optar pela sistemática simplificada de tributação, migrando do regime tributário do lucro presumido ou lucro real. Na prática, houve uma singela retração na carga dos tributos federais e nos impostos estaduais e municipais (ICMS/ISSQN).
Muito embora para os fiscos municipais o regime tenha implicado diversos transtornos para fins de controle e fiscalização, em face da complexidade das normas a ele inerentes, somada à falta de estrutura funcional e tecnológica; o simples nacional promoveu importante revolução na sistemática arrecadatória brasileira, na medida em que extinguiu os regimes tributários simplificados da União, dos Estados e dos Municípios, unificando-os em um fluxo único.
Sua execução prática revelou a conjuntura de uma verticalização dos fiscos, e impôs, forçadamente, sua atuação conjunta e centralizada, conferindo efetividade ao escopo magno do princípio federativo, cujo postulado consta assentado no inciso XXII, do artigo 37, da Constituição Federal, que assim preconiza:
XXII – as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003)
Não obstante o regime tenha representado um significativo avanço, as sucessivas alterações promovidas ao longo de dez anos denotam necessidade de constantes ajustes e aperfeiçoamentos.
É neste cenário que surge a Lei Complementar Federal nº 155, datada de 27 de outubro de 2016, diploma que implementou impolutas modificações ao estatuto básico disciplinado pela LCF nº 123/2006, dentre as quais três merecem especial destaque: a) ampliação do limite para enquadramento das microempresas e empresas de pequeno porte de R$ 3.600.000,00 para R$ 4.800.000,00; b) instituição da progressividade no cálculo e apuração do quantum a ser recolhido, cujo escopo se harmoniza com o princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, da CRFB/1988); e, c) exclusão do ISSQN e do ICMS da apuração e do recolhimento unificado quando a empresa de pequeno porte ultrapassar o teto de R$ 3.600.000,01, nos termos do novel artigo 13-A, in verbis:
Art. 13-A. Para efeito de recolhimento do ICMS e do ISS no Simples Nacional, o limite máximo de que trata o inciso II do caput do art. 3º será de R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais), observado o disposto nos §§ 11, 13, 14 e 15 do mesmo artigo, nos §§ 17 e 17-A do art. 18 e no § 4º do art. 19.
Os limites para recolhimento do ICMS e do ISS na forma do Simples Nacional permaneceram em R$ 3.600.000,00. Desta feita, uma empresa que exceda tal limite poderá ser optante do simples nacional para fins de recolhimento dos tributos federais, mas se submeterá, ao mesmo tempo, ao cumprimento das obrigações tributárias do ICMS ou do ISS em seu respectivo Estado, Distrito Federal ou Município.
É neste ponto que reside a crítica objeto deste breve arrazoado, pois a lógica do legislador implicou numa “pseudo” exclusão da apuração e do recolhimento unificado, contrariando o pensamento inicial cunhado nos idos de 2006, quando da edição da LCF nº 123, a qual pôs fim aos regimes e tratamentos tributários diferenciados da União, dos Estados, dos Municípios e do Distrito Federal, promovendo sua unificação no seio de uma regra uniforme e centralizada.
Infelizmente, o Congresso Nacional concretizou um retrocesso. Aquilo que havia sido sepultado, fato representativo de um exemplar avanço, agora se vê repristinado e exsurge vitaminado na couraça de um minotauro desembestado, suscitando controvérsias sobre os procedimentos a serem implementados, bem como em relação às adaptações de sistemas, à efetividade, ao limite da progressividade arrecadatória das microempresas e empresas de pequeno porte, etc..
Em termos práticos, a faixa compreendida entre R$ 3.600.000,01 e R$ 4.800.000,00 é hibrida, pois se resume somente aos tributos da União. O Congresso Nacional cravou uma adaga na alma do simples nacional e o feriu naquilo que é sua essência: unificação dos tributos dos três níveis governamentais e recolhimento centralizado, cujo escopo contribui para minimizar o ônus tributário das microempresas e empresas de pequeno porte relativo ao cumprimento das obrigações tributárias acessórias.
O excesso de “lobby” das entidades representativas dos contribuintes junto aos Parlamentares das Câmaras Alta e Baixa do Congresso Nacional, somado as maluquices dos doutos representantes do Povo na ânsia pela aprovação e a vã diligência por votos nos pleitos vindouros, aliadas, por sua vez, a uma forte resistência dos Fiscos e suas entidades representativas, criaram tal bestialidade tributária.
Uma federação onde as regras tributárias situam-se ao sabor político e cujos legisladores fazem ouvidos moucos aos aspectos técnicos e ignoram as vigas mestras da razoabilidade e proporcionalidade, está fadada a outorgar ao cidadão um papel de mero expectador, condenando-o a simplesmente assistir seu carrasco preparar o alçapão da forca.
Informações Sobre o Autor:
Miqueas Liborio de Jesus:
Membro do Conselho Editorial do Blog do Aftm, Auditor Fiscal do Município de Joinville (03/1998), Membro julgador da Junta de Recursos Administrativo-Tributários do Município de Joinville, Professor das cadeiras de Direito Tributário I e II, do Curso de Direito da Associação Catarinense de Ensino (ACE), Bacharel em Ciências Jurídicas (Direito), pela Universidade da Região de Joinville (Univille), aprovado no exame da OAB em 2006 e especialista em direito tributário pela FGV. (www.miqueasliborio.com.br)
REFERÊNCIAS
BRASIL. CRFB (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil de 1988. Disponível em: http://www.planalto. gov.br/ccivil03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 27 Jun 2017.
BRASIL. LC N. 123 (2006). Lei Complementar n. 123. Institui o Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte; […]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp123.htm. Acessado em: 27 Jun 2017.
BRASIL. LC N. 155 (2016). Lei Complementar n. 155. Altera a Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006, para reorganizar e simplificar a metodologia de apuração do imposto devido por optantes pelo Simples Nacional; […]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp155.htm. Acesso em: 27 Jun 2017.
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